sábado, 27 de janeiro de 2024

COMUNICADO DE IMPRENSA Sobre o 3º aniversário do massacre do povo Lunda Tchokwe ocorrida no dia 30 de Janeiro de 2021 (Dia de reflexão)

 Sobre o 3º aniversário do massacre do povo Lunda Tchokwe ocorrida no dia 30 de Janeiro de 2021 (Dia de reflexão)

 


O Movimento do Protectorado Português da Lunda Tchokwe, vem através deste comunicado e Face ao 3º aniversário dos acontecimentos ocorridos naquele fatídico dia 30 de Janeiro de 2021, o massacre perpetrado pelo regime angolano (Crime praticado pelos Agentes ao Serviço do Estado Angolano que já deveriam há muito pararem nos tribunais e serem condenados severamente) tento assassinado mais de 106 cidadãos indefeso em Cafunfo, Município do Cuango, Província da Lunda – Norte, para torna público o seguinte:

1.º

O Movimento do Protectorado Português da Lunda Tchokwe, foi fundado em 2006 e, em 2007 produziu o seu manifesto politico para reivindicar a Soberania do território Lunda Protectorado Português desde 1885 – 1975, nos termos da Carta da ONU, da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos povos, da Declaração Universal dos Direitos Humanos e do Pacto Internacional sobre os Direitos Políticos e Civis, Manifesto Politico entregue ao Governo do MPLA e aos demais Partidos Políticos Angolanos, a Comunidade Internacional e ao Vaticano na Santa Sé em Roma.

2.º

Desde 2007 até a presente data, o Movimento do Protectorado Português da Lunda Tchokwe, nunca mais parou de reivindicar pacificamente das autoridades do Governo de Angola, das potencias da Conferencia de Berlim de 1884 – 1885 (Alemanha, França, Portugal, Bélgica e Inglaterra) que ditaram a partilha de Africa, alteraram os marcos fronteiriços naturais, misturaram etnias e tribos sem o consentimento dos seus povos e, da Comunidade Internacional queremos o diálogo com o governo angolano e o reconhecimento da Soberania da Lunda Tchokwe por via simplificada de uma GENUINA AUTONOMIA.

3.º

As manifestações foram sempre pacíficas; comunicadas nos termos da lei as Autoridades Angolanas em conformidade do estipulado da constituição da Republica de Angola de 2010, que consagra no seu artigo 47.º: (Liberdade de reunião e de manifestação), 1. É garantida a todos os cidadãos a liberdade de reunião e de manifestação pacífica e sem armas, sem necessidade de qualquer autorização e nos termos da lei. 2. As reuniões e manifestações em lugares públicos carecem de prévia comunicação à autoridade competente, nos termos e para os efeitos estabelecidos por lei, foi assim que no dia 30 de Janeiro de 2021, o regime angolano violou a lei e a constituição por si aprovada e partiu para a chacina de mais de 106 cidadãos Lunda Tchokwes indefesos em Cafunfo. Para esconder os actos bárbaros praticados de chacina o regime acusou-nos de rebelião, associação de malfeitores e ultraje de símbolos nacionais, nada provado em sede do tribunal que nos julgou.

4.º

A Independência de Angola em 11 de Novembro de 1975, é produto de um longo processo de luta armada que culminou com a descolonização total de ex-colónias portuguesas em Africa (Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guine Bissau e São Tome e Príncipe) nos termos da Lei n.º 7/74, publicada no Diário do Governo Português n.º 174/1974, 1º Suplemento, Série I de 27 de Julho de 1974, nos termos do artigo 2º “O reconhecimento do direito à autodeterminação, com todas as suas consequências, inclui a aceitação da independência dos territórios ultramarinos e a derrogação da parte correspondente do artigo 1.º da “V” Constituição Política Portuguesa de 1933 de 11 de Abril e do artigo 2º da Carta Constitucional de 1826 de 29 de Abril. Angola era colónia de Portugal desde o ano de 1482 até 1975, cerca de 493 anos.

5.º

 A Independência de Angola não poderia ser abrangente ao Protectorado Português da Lunda Tchokwe, porque a Lunda (1885-1975 = 90 anos da Presença de Portugal) não era colónia de Portugal e nem era parte integrante ou incorporada a colónia de Angola, mas sim, a Lunda era protectorado de Portugal. O Tratado de Protectorado Português da Lunda Tchokwe continua vigente.

6.º

Ao comemorarmos este 3º aniversário do massacre de Cafunfo, que ceifou a vida de 106 cidadãos indefesos pelo regime angolano, o Movimento do Protectorado Português da Lunda Tchokwe rende singela homenagem a todos os nobres heróis e bravos libertadores da nossa Nação e Reino com o silêncio das lápides, as vozes das memórias ecoam em cada lágrima e com saudades em cada sorriso que nos brindastes nossos valentes companheiros agora na eternidade das lembranças. Um abraço de consolo a todas as famílias que naquele fatídico dia 30 de Janeiro de 2021 perderam seus entes queridos, porque a vida pode ter partido, mas o amor da família permanece intocados.

7.º

O Movimento do Protectorado Português da Lunda Tchokwe, neste 3º aniversário dos massacres de Cafunfo, apelamos ao povo Lunda Tchokwe para não continuar a viver na pele de outros povos, sobretudo os intelectuais, a classe media e a nova geração, porque estamos pouco a pouco a perder as nossas tradições e cultura, estamos a negar os nossos antepassados, as nossas línguas maternas estão a morrer em favor de português, inglês, francês, alemão, russo, chinês e árabe, a nossa historia esta sendo falsificada, a nossa espiritualidade considerada como demoníaca e perdemos as nossas raízes de identidade, com isso perdemos o caminho económico, psicológico e intelectual. A Lunda Tchokwe precisa de todos os seus filhos para se erguer, precisa de verdadeiros heróis no carácter, na moral, na ética e na entrega total e sem tréguas nesta luta.

8.º

O Movimento do Protectorado Português da Lunda Tchokwe, ao comemorar este 3º aniversário do massacre de Cafunfo de 2021, não deixa de apelar a Comunidade Internacional; as Nações Unidas, União Europeia, União Africana, países da SADC, países da CPLP e, em particular Portugal, Bélgica, Alemanha, França, Reino Unido da Inglaterra e o Vaticano, Igreja Angolana em geral e a CEAST, as Autoridades Tradicionais do Mosaico etnolinguístico e cultural, aos Partidos Políticos incluindo o MPLA e o Governo de Angola para a necessidade urgente do “DIALÓGO” sobre o futuro da “Questão da Lunda Tchokwe”.

9.º

O Movimento do Protectorado Português da Lunda Tchokwe, continuamos a exortar a população e a juventude Lunda Tchokwe a se manterem vigilantes e equidistante de actos não abonatórios que visam manchar a reputação da nossa organização neste dia reservada para render homenagem aqueles que foram barbaramente assassinados. O dia é para reflexão, meditação e adoração ao DEUS todo-poderoso, criador dos céus e da terra e de toda a maravilha que o nosso olho pode ver da sua grandeza. Vigilância para conter aqueles que foram pagos com dinheiros afim de quererem sair neste dia nas ruas de Cafunfo, Xá Muteba ou de Capenda Camulemba para criarem escândalos a serem imputadas ao Movimento ou para perseguir activistas e prende-los como aconteceu no dia 8 de Outubro de 2023.

10.º

Reafirmamos a nossa disponibilidade de sempre, desafiando as autoridades do Governo de Angola a “DIALÓGAR” com o MPPLT a qualquer momento e altura, com a presença de todas as forças vivas nacionais, incluindo a Comunidade Internacional, na perspectiva de que todos juntos poderemos encontrar uma solução viável para a “Questão da Lunda Tchokwe” a sua genuína AUTONOMIA e juntos construirmos uma sociedade melhor, capaz de dignificar cada cidadão, de corrigir imediatamente as assimetrias ao desenvolvimento, de acabar com a fome, com a miséria e com a pobreza absoluta, para zelar com a saúde da pessoa humana, materno infantil e velar a vida de jovem mulher, para tornar educação para todos como um direito, para criarmos segurança alimentar e desenvolver a agricultura cujo objectivo é a multiplicação do emprego para maioria da nossa população, para potenciarmos o empresário local em detrimento do estrangeiro.

11.º

O Movimento do Protectorado Português da Lunda Tchokwe, esta solidária com os nossos 11 activistas políticos que se encontra presos na Comarca da Kakanda no Dundo desde o mês de Outubro de 2023, detidos sem ter cometido crime algum, mas que as Autoridades do SIC e da PGR da Lunda Norte os acusa no crime de Rebelião.

12.º

Vamos todos honrar a memoria dos que perderam vidas no fatídico dia 30 de Janeiro de 2021, vamos relembrar o sacrifício, a persistência, vamos relembrar as injustiças, os genocídios, vamos relembrar a dependência sobretudo daqueles que em busca da condição sócio económico eram mortos nas zonas de garimpo, vamos homenagear à todos os nossos heróis anónimos e mártires da luta por uma genuína AUTONOMIA para a conquista do desenvolvimento, do progresso económico social e da PAZ DURADOIRA.

“Diálogo para Autonomia Lunda Tchokwe”

“Diálogo para a PAZ e o Progresso Social”

“Diálogo para vida melhor e dignidade para todos”

 

Luanda, 27 de Janeiro de 2024

 

O SECRETARIADO EXECUTIVO NACIONAL DO COMITÉ POLITICO DO MOVIMENTO DO PROTECTORADO PORTUGUES DA LUNDA TCHOKWE

 

 

sábado, 6 de janeiro de 2024

UMA LUNDA TCHOKWE DESCONHECIDA PELA COMUNIDADE INTERNACIONAL

 RETROSPECTIVA



POR ANA DIAS CORDEIRO E JOÃO MANUEL ROCHA

A província angolana dos diamantes parou no tempo. Para lá das denúncias de abusos de direitos humanos do activista Rafael Marques, ninguém sabe muito bem o que por lá se passa.

Como uma ilha sem mar em redor, o Dundo, capital da Lunda Norte, é, de tão isolado, um lugar esquecido no mapa. O que liga a cidade ao resto da província e do país é frágil. E, nas aldeias, as únicas ligações ao mundo deste lugar, de onde chegam frequentes relatos de violência contra as populações, são os camiões que passam e a Rádio Nacional de Angola que é possível sintonizar.

Na maior parte da Lunda Norte, mais de cem mil quilómetros quadrados, não há electricidade e muito menos ligações telefónicas. As escolas e os centros de saúde ruíram com o tempo ou a guerra, que durou décadas e terminou em 2002. A vegetação e as árvores invadem, por entre buracos e janelas, fachadas suspensas sobre pedras e ruínas de casas sem água, luz e condições sanitárias mínimas. Com a falta de meios, nem sempre é possível reconstruir, como aconteceu com muitas casas no Dundo.

Os professores, uma das poucas profissões à margem da quase exclusiva actividade de extracção e comércio de diamantes, eram, pelo menos até há poucos anos, pagos pelo Estado, mas viviam em casas sem condições e só desejavam partir. Se precisam de tratamento médico, os habitantes da província deslocam-se, quando podem, a essa única cidade onde existe um hospital, também ele em parte destruído. Ou não procuram sequer assistência.


A Lunda Norte, no Nordeste de Angola, é um "fim de mundo", onde se desafiam os limites do que é lei ou natureza. Parou no tempo. O que é regra lá fora é aqui excepção. Só quem lá vive sabe. Só quem, com dificuldades, lá entra, pode imaginar o imenso fosso que separa a Lunda Norte do resto de Angola, e mesmo da Lunda Sul, onde também há extracção de diamantes, mas a vida se tornou diferente.

"O primeiro impacto foi de susto pelo que encontrei: ouvia falar de uma terra de muita riqueza e dinheiro, encontrei uma província muito pobre, esburacada, sem água, sem energia, com uma pobreza antropológica gritante, com problemas tribais graves, muitas seitas, cruzamento de interesses, invasão estrangeira por causa do garimpo dos diamantes", descrevia, em Outubro de 2010, numa entrevista ao jornal espiritano Acção Missionária, o então bispo do Dundo, José Manuel Imbamba, com quem o PÚBLICO agora não conseguiu falar.

Perto mas longe da Lunda Sul

O contraste entre as duas Lundas acentuou-se na última década pela maior atenção dada pelo poder central ao Sul e pelo desempenho da Catoca, uma exploração a céu aberto apresentada como o quarto maior kimberlito - rocha que contém diamantes - do mundo.

Até 1978, a Lunda era uma única província. Nesse ano, Agostinho Neto, primeiro Presidente de Angola, separou as zonas diamantíferas, o Norte, do resto da província. Só depois, já nos anos 1990, a Catoca, que hoje se assume como modelo a seguir pelas políticas de responsabilidade social, ganhou importância.

Colada à Lunda Sul, a Lunda Norte é um mundo à parte. Quem a visita, precisa de um visto especial. O viajante é quase invariavelmente interrogado sobre os motivos da deslocação, antes de partir de Luanda. "Ninguém entra nas Lundas sem restrições, tem de ter um documento a dizer porquê", conta Shawn Blore, investigador sobre conflitos relacionados com diamantes, que visitou várias vezes a região, ao serviço de organizações não-governamentais internacionais.

De Luanda pode viajar-se para as Lundas por estrada, via Malanje, onde já é fácil chegar, mas a partir de onde o caminho se torna difícil, sinuoso, sujeito a sucessivos controlos policiais. As badaladas obras em 2012, a tempo das eleições gerais, alteraram em pouco o movimento no aeroporto do Dundo, que ainda só tem condições para receber pequenos voos.

A principal estrada que liga as duas Lundas, de Dundo a Saurimo, a antiga Henrique Carvalho, no Sul, só em parte foi reconstruída, no troço para Lucapa. Algumas vias secundárias são museus a céu aberto do tempo das emboscadas da guerra entre o MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola, no poder) e a UNITA (ex-movimento rebelde, hoje principal partido da oposição). Camiões calcinados e outros vestígios lembram que a paz só representa meia verdade neste vasto pedaço do território angolano onde se travaram batalhas também pelo domínio de zonas de extracção.

Uma imensa pobreza

"A Lunda Norte parou no tempo. Deliberadamente, deixaram a Lunda Norte parar no tempo porque é um assunto muito tóxico", disse ao PÚBLICO Mathias de Alencastro, investigador e estudante de doutoramento em Ciência Política na Universidade de Oxford, sobre Relações entre o Estado e o sector mineiro nas províncias de Lunda Norte e Lunda Sul. "O Estado sempre procurou isolar a Lunda Norte", reforça. Uma forma "é pela via do subdesenvolvimento, pelo abandono", fazendo da Lunda Norte um lugar "desconectado" do resto.

As pessoas sobrevivem a "uma imensa pobreza, um imenso sofrimento", explica Mathias de Alencastro, que, nos últimos quatro anos, viajou várias vezes para as Lundas. Do que tem visto, diz que "muito pouco ou nada mudou" no Norte, sobretudo quando olha para o que se alterou nas outras províncias angolanas desde o fim da guerra, há 11 anos. "As Lundas são uma região que ninguém conhece, ninguém estuda e ninguém quer saber muito."

As denúncias de violações de direitos humanos adensam essa nuvem que paira sobre a terceira maior província de Angola, a seguir ao Cuando Cubango e ao Moxico. Estimativas apontam para 850 mil habitantes, mas há números muito contraditórios e nem isso é certo. Como não será certo que os relatos de abusos que chegam ao exterior dêem um quadro completo da realidade. No livro Diamantes de Sangue: Corrupção e Tortura em Angola (Tinta da China, 2011), o activista angolano Rafael Marques descreve um cenário de corrupção, abusos de poder, violência e morte, nos municípios do vale do Cuango, sobre "pessoas isoladas do resto do país e excluídas da paz militar que Angola vive desde 2002". E esquecidas, pelo fraco interesse de dentro e de fora de Angola.

Lisa Rimli, da Human Rights Watch, que investigou abusos sobre imigrantes nas zonas de fronteira, junto à República Democrática do Congo, encontrou na Lunda Norte uma "cultura do medo" que leva a que muitos abusos sejam silenciados. "Raramente as pessoas chegam ao ponto de ir até ao fim nas denúncias", diz.

Num relatório intitulado Se voltarem, vamos matar-vos: violência sexual e outros abusos cometidos contra imigrantes congoleses durante as expulsões de Angola, a organização de defesa de direitos humanos denuncia abusos, incluindo violência sexual, de elementos das forças de segurança sobre detidas, sob ameaça de espancamento e morte ou com promessas de alimentos.

Nas zonas que Lisa Rimli visitou, as forças de segurança fazem "rusgas generalizadas" para impedir que os imigrantes beneficiem do negócio dos diamantes - segunda maior fonte de riqueza de Angola, depois do petróleo, com uma contribuição de 5% para o Produto Interno Bruto. Quinto maior produtor mundial, apesar de isso representar apenas 8,1% do total global, Angola extraiu em 2011 cerca de 8,3 milhões de quilates, segundo dados da indústria diamantífera.

Nesta vasta província, a Endiama, empresa diamantífera do Estado, dá as cartas quase todas. Actua como um Estado dentro do Estado. Tem o exclusivo da prospecção, exploração e comercialização. E é ela que decide a quem cede concessões para o garimpo legal, mantendo uma participação nos negócios, sempre em alegada ligação a militares, pessoas ligadas à Presidência em Luanda ou a parceiros estrangeiros da confiança do núcleo mais restrito do poder.

Portugal também tem interesses na exploração diamantífera da Lunda Norte, através da participação accionista de 49% da empresa estatal SPE (Sociedade Portuguesa de Empreendimentos) na Sociedade Mineira do Lucapa. Depois de, em 2011, o Governo ter revogado a licença de exploração atribuída à SPE, o caso corre a via do litígio judicial. A Endiama acusa a SPE de não "honrar" compromissos para viabilizar a exploração mineira, o que a empresa portuguesa contesta.

"O problema mais grave é que as populações não beneficiam [em] nada da riqueza dos diamantes. A responsabilidade social das empresas diamantíferas é quase nula. Este é o grande escândalo das Lundas e a grande preocupação da Igreja", dizia na entrevista de há quase três anos José Manuel Imbamba, nomeado arcebispo de Saurimo em 2011.

A maior parte dos habitantes que se dedica ao garimpo retira dele apenas o suficiente para sobreviver. As indemnizações recebidas por terem sido afastados das suas zonas de cultivo mal dão para recomeçar a vida noutro lugar. E parte deles regressa à zona de extracção de forma legal ou ilegal. A fronteira entre as duas é muito ténue. E os garimpeiros ficam sujeitos ao arbítrio das forças de segurança.

Um relatório confidencial de 2007 do Governo norte-americano sobre a Lunda Norte, disponibilizado pela WikiLeaks, descreve "a rede complexa e promíscua" que mistura "necessidades económicas e ganância".

O poder, centrado nas concessões mineiras, é assistido por empresas privadas de segurança detidas por generais. A polícia nacional está pouco presente. As empresas de segurança privadas e a polícia mineira existem para proteger os diamantes, não as pessoas. Representantes da autoridade chegam a queixar-se de não poder entrar em zonas de concessão.

Heranças de guerra

Para as empresas de segurança trabalham alguns ex-militares, pessoas que conviveram, no tempo da guerra, com os mercenários da Executive Outcomes que vieram nos anos 1990 assistir em decisivas batalhas no conflito entre o MPLA e a UNITA e se tornaram depois consultores para a criação dessas empresas.

Na Lunda Norte, a violência banalizou-se tanto quanto a morte. Não há memória de um tempo em que fosse dado algum valor à vida humana. Os relatos de maior violência chegam da região do Cuango. A que não é alheio o facto ser no Cafunfo, no vale do rio Cuango, que está a grande concentração de pedras valiosas de aluvião - encontradas no rio - e também de empresas de segurança e de postos de compra da Ascorp, que controla o essencial da compra e venda.

É no Cafunfo que o rendimento do garimpo é maior e é de lá que chega a maioria das denúncias do activista angolano Rafael Marques. Mas não só. Também se ouvem histórias de garimpeiros que foram afogados no rio, de outros a quem foi aberto o estômago por engolirem diamantes ou a quem eram cortados os dedos das mãos.

As dinâmicas de violência não são de agora. "Aquilo a que hoje chamamos de violações de direitos humanos são crimes sistémicos instituídos há mais de 100 anos. O sadismo varia de uns para outros, mas ouvi relatos muito violentos do tempo da Diamang", diz Mathias de Alencastro.

"Não se resolve a questão dos direitos humanos sem olhar a perspectiva histórica e de longa duração desse abuso de violência, desse carácter privado da violência nas Lundas há mais de 100 anos. É um trabalho importantíssimo mas este é um problema que vem de trás. São dinâmicas completamente enraizadas a nível local", acrescenta.

À violência por omissão de um Estado que não providencia cuidados básicos, junta-se a violência associada ao garimpo numa dinâmica de provocar medo para melhor controlar, presente desde a era colonial. Nesse tempo, dizem os nostálgicos, a violência era regrada e as pessoas sabiam o que fazer. Agora, a violência chega, sem aviso, e pode acontecer a qualquer momento.

"É um povo ostracizado", diz Mathias de Alencastro do povo Lunda-Tchokwé. "O Estado colonial ou pós-colonial não conheceu a província, nunca interagiu com a província. Os portugueses também delegaram todos os poderes a uma empresa privada." Era a Diamang, dissolvida em 1988 e substituída pela Endiama, que tinha sido criada em 1982. O centro industrial da Diamang era a cidade do Dundo, "jóia da ciência colonial", erguida como capital da Lunda.

A Diamang colonial tentava incluir a população no sector dos diamantes para, com isso, limitar o tráfico. E criou quase um Estado social paralelo, construindo estradas e zonas urbanas, escolas e hospitais. A população passou a rever nela uma função do Estado. Mas o que resta desse tempo é muito pouco. O hospital tem décadas e um novo, já anunciado, ainda não funciona. Poucas escolas estão de pé, mas sem condições. Neste fim de mundo, resta do passado um tribunal. Porém, as pessoas não conhecem os seus direitos. Ao contrário de outras províncias, a Lunda Norte não tinha, pelo menos até há pouco tempo, beneficiado de obras de reconstrução nacional.

Várias formas de violência

Hoje a violência assume diferentes formas. Da corrupção à violência, passando pelos abusos sobre imigrantes denunciados pela Human Rights Watch, a recentes casos de tráfico de órgãos humanos. Em Junho, milhares de pessoas saíram à rua no Cafunfo, em protesto contra o que consideram ser a passividade das autoridades face ao assassínio de mulheres para extracção de órgãos genitais destinados a rituais de feitiçaria, com ideia de mais facilmente se encontrarem diamantes.

O Partido da Renovação Social, com implantação nas Lundas, que nas eleições de 2012 elegeu três deputados e é a quarta força no Parlamento nacional, denunciou, com nomes, datas e circunstâncias, assassínios de 15 mulheres nos últimos três anos. E também perseguições a garimpeiros, em zonas controladas pelas empresas de segurança TeleService e Bicúar, em áreas concessionadas à Sociedade Mineira do Cuango. Além de denunciar esses casos, o secretário-geral Benedito Daniel quantificou em 578 o número de assassínios "selectivos" na zona do município do Cuango, desde 2003.

Nos últimos anos, na Lunda Norte, os diamantes entraram num ambiente de fim de reinado, explica Mathias de Alencastro. "Na viragem do ano 2000, o garimpo era das coisas mais rentáveis que havia, porque o preço dos diamantes estava alto." O preço entretanto baixou e o desemprego cresceu com a partida de algumas empresas. "Há uma certa exaustão."

Os mais de mil quilómetros de distância que separam o Dundo de Luanda, a dificuldade de acesso, a escassez de informação, criaram e alimentaram mitologias associadas às Lundas. Malanje foi durante décadas o limite do conhecido para quem vinha de fora e começava por ter dificuldade em entender as línguas locais. São comuns histórias de quem teve familiares que partiram para a região e nunca mais voltaram.

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quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

Tratado de Protectorado Celebrado Entre Portugal e a Corte do Muatiânvua, no dia 18/01/2024 vai completar 137 anos

 


CARVALHO, Henrique A D de – A Lunda, pp. 304-308

OBS: A historia, conhecimento advindo da investigação, é a ciência que estuda o homem e sua acção no tempo e no espaço, análise de processos e eventos ocorridos no passado, é o estudo do nosso passado ancestral dos seus acontecimentos que ninguém tem o direito de escamotear, a seguir o texto integral do Tratado de Protectorado celebrado entre Portugal e a Corte do Muatianvua no longínquo ano de 1887 na Mussumba em Kalanhy:

 


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Aos dezoito dias do mez de Janeiro do anno do nascimento do Nosso Senhor Jesus Christo de mil oitocentos e oitenta e sete, na principal Mussumba do MUATIÂNVUA na margem direita do calanhi entre os rios deste nome e o Cajidixi na lat. S do Equador 8º 21’ long. E de Gren223º 11’ e na altitude de 1:009 metros, reunidos o Muatiânvua Mucanza com a sua corte na Ambula (Largo em frente da residência) á sombra de três grandes arvores monumentaes que symbolisam a instituição do ESTADO do MUATIÂNVUA, foi recebido neste local acompanhado de emissários do Muatianvua e da Lucuoquexe, o embaixador de Portugal, major do exercito Henrique Augusto Dias de Carvalho que era seguido dos interpretes portuguezes António Bezerra, de mim que servi de secretario, empregado da Expedição José Faustino Samuel, de António Rocha e seus patrícios e companheiros da colónia de que elle é chefe no Luambata há oito annos em substituição de Lourenço Bezerra que a creou há quinze e retirou de todo para Malange onde morreu há dois; pelo Chiota mestre de cerimonias e o grande Pontentado Muene Dinhinga; - começando então o tiroteio de fusilaria em signal de regosijo pela chegada do mesmo embaixador e depois dos cumprimentos do estylo sentou-se o mesmo embaixador em uma cadeira á direita do Muatianvua que estava sentado debaixo do docel na cadeira de espaldar dourada, presente que trouxe a Expedição portugueza e depois de feito o silencio se leu e foi depois assignado o seguinte:

 

Art. 1.º - O Muatiânvua e a sua corte bem como os herdeiros dos actuaes potentados, Muatas de lucano declaram: que nunca reconhecerão outra Soberania senão a de Portugal, sob o protectorado do qual há muito seus avos collocaram todos os seus territórios por elles governados e constituem o Estado da Lunda e que esperam sejam agora mandados occupar definitivamente pelo embaixador do Governo de Sua Magestade Fidelíssima.

 

Art. 2.º - São considerados por parte do Governo de Portugal os actuaes Muatas, Muenes e monas, e quaesquer outros quilolos de grandeza e sem grandeza chefes de estados e de menores povoações, quaesquer dignatarios e Cacuatas e todos os seus povos como vassallos de Portugal e os territórios que occupam ou venham a adquirir como partes integrantes do território Portuguez.

 

Art. 3.º - Uns e outros se obrigam a franquear os caminhos ás povoações e o livre exercício do commercio e da industria licita a todos os indivíduos portuguezes ou munidos de uma auctorização ou ordem do Governador Geral da província de Angola, bem como a consentir, a auxiliar e a garantir o estabelecimento de missões, de feitorias, de colónias, de fortificações, de tropas, de auctoridades e facilitar a passagem a escoteiros e viajantes portuguezes nos seus territórios.

 

Art. 4.º - O Muatiânvua e sua corte não consentirão que em nenhum caso e sob pretexto algum as auctoridades súbditas do Muatianvua por muito longe que sejam os domínios destes da capital, admittam o estabelecimento nas suas terras de colónias, forças ou agentes não portuguezes ou sob qualquer bandeira que não seja a portugueza, sem previa auctorização dos delegados do governo de Portugal na Lunda, e em quanto estes se não apresentem, do governador geral de Angola, nem poderão negociar com estrangeiro ou nacional algum qualquer cessão politica de território ou de poder.

 

Art. 5.º - Compromette o Muatianvua e todos os potentados Muatas e outros seus súbditos a não fazerem nem consentirem que se façam nos seus territórios sacrifícios humanos, venda ou troca de gente por artigos de commercio ou pagamento de demandas e de multas com gente.

 

Art. 6.º - Todas as auctoridades súbditas do Muatianvua com a sancção deste, ficam obrigadas a darem passagem, segurança e socorro a todos os commerciantes e mais pessoas que em paz e boa ordem tenham de atravessar ou percorrer os seus territórios e povoações, não exigindo dellas tributos e multas se não as que tenham sido previamente reguladas e entregando á auctoridade portugueza ou a quem a representa mais próxima, sem maus tratos, violências ou delongas, a pessoa ou pessoas estranhas ao seu paiz ou tribu de que suspeitem ou tenha commetido qualquer malificio nos seus territórios.

 

Art. 7.º - Que todos os súbditos do Muatianvua manterão paz com os povos vassallos e amigos de Portugal e com os portuguezes, submettendo as dissenções e litígios quando os haja e possam perturbal-a, ao julgado da auctoridade portugueza.

 

Art. 8.º - Portugal pelos seus delegados ou representantes reconhece todos os actuaes chefes e de futuro confirmará os que lhe succederem ou forem elevados a essa cathegoria segundo os usos e praxes e sejam confirmados pelo Muatianvua; e obriga-se a manter a integridade de todos os territórios sobre o seu PROTECTORADO e respeitará e fará respeitar os usos e costumes, emquanto se não disponham a modifical-os de modo que possam instituir-se outros de effeitos mais salutares em proveito das terras e de seus habitantes.

 

Art. 9.º - Quando alguma reclamação seja feita, todos auxiliarão a auctoridade no empenho de a conseguir seja contra quem for com todas ou parte de suas forças de guerra.

 

Art. 10.º - Reconhecido como está Ianvo, vulgo Xa Madiamba eleito pela corte, Muatianvua ; o presente Tratado antes de ser apresentado ao Governo de Sua Magestade Fidelíssima será submettido á sua apreciação, podendo elle com Caungula e Muata Cumbana fazer-lhe ainda as alterações que julguem convenientes a obter-se a PROTECÇÃO que se pede a Portugal; e só póde ter execução por ordem do Governo de Sua Magestade e depois de estabelecidos os seus delegados nos terras da LUNDA.

 

Calanhi, capital do Estado do Muatianvua 18 de Janeiro de 1887 por outros como procuradores, e pondo elles uma (+) ao lado de seus nomes; +Muatianvua, Mucanza, + Suana Mulopo Umbala, + Lucuoquexe Palanga, +Muari Camina, +Suana Murunda, +Muene Dinhinga, +Canapumba Andunda, +Calala Catembo, +Muitia, +Muene Panda, +Cabatalata, + Paulo, + Adolpho, +Paulino de Loanda, +António Martins, +Domingos Simão de Ambaca, e assignaram António da Rocha, José Rodrigues da Cruz, António Bezerra de Lisboa, Agostinho Alexandre Bezerra, João Pedro da Silva, Henrique Augusto Dias de Carvalho o Chefe da Expedição Portugueza ao Muatianvua, e por ultimo eu José Faustino Samuel que o escrevi.

Esta conforme e delle se tiraram duas cópias, uma que deixou ao Muatianvua, que se entregou a Camexi para apresentar a Xa-Madiamba e o original que vai ser remettido ao governo de Sua Magestade Fidelíssima.

 

José Faustino Samuel, servindo de secretario.

CONFERÊNCIA DE BERLIM 1884 – 1885 E AS INDEPENDENCIAS DE PAÍSES EM AFRICA

    Entre Novembro de 1884 e Fevereiro de 1885 realizou-se em Berlim uma conferência que viria a ficar conhecida como a Conferência de Berli...