sábado, 23 de março de 2024

PARTE (VI) – PENETRAÇÃO EUROPEIA NA LUNDA ATÉ 1890 E A EVOLUÇÃO POLITICA DE AFRICA 1884 – 1891

 

PARTE (VI) – PENETRAÇÃO EUROPEIA NA LUNDA ATÉ 1890 E A EVOLUÇÃO POLITICA DE AFRICA 1884 – 1891

 


6.1.- A REPRESENTAÇÃO DA ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL AFRICANA E A REPRESENTAÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA

 

A Associação Internacional Africana não esteve representada oficialmente na conferência. Não podia estar evidentemente. Mas teve, porém, «agentes oficiosos e dedicadíssimos», para empregarmos os termos com que o Representante de Portugal Marques de Penafiel se havia referido (30), a SANFORD, segundo plenipotenciário do Governo dos ESTADOS UNIDOS DA AMERICA na conferência (31).



Os EUA haviam enviado à conferência três representantes: KASSON, SANFORD e, depois do regresso da sua terceira viagem à Africa, o sr HENRY STANLEY. Sanford tinha sido ministro em Bruxelas. Lá ficou a residir e soube obter as boas graças da família REAL BELGA. Era um homem dos seus 50 anos, «alto, robusto, de aspecto sadio, de fisionomia prazenteira e agradável, (…), não excessivamente instruído» (32).

 

Desde logo se revelou muito activo no reconhecimento da Associação Internacional pelo seu país (EUA), e, em numerosos debates, interveio constantemente, embora sem estar para eles suficientemente preparado. Parecia mais ao serviço do rei Leopoldo II do que ao do seu país. De resto, o convite alemão feito aos Estados Unidos de América, a única das potências americanas convidadas para fazer representar na conferência, devia ter obedecido à circunstância do Henry Stanley, «o chefe visível da Associação Internacional», ter essa nacionalidade, «e por se saber que o Governo daquele país lhe era favorável» (33).



Porquanto, «um jornal americano, World, que pertencia ao Partido do novo presidente, censurando o governo anterior por ter mandado plenipotenciários à conferência de BERLIM, dizia que o interesse dos Estados Unidos nas questões do CONGO era completamente nulo, porque, na então última estatística oficial, o comércio de seu país com aquelas regiões figurava apenas com 26 dólares…» (35).


6.2.- A REPRESENTAÇÃO DA BÉLGICA



A Bélgica enviou à conferência dois plenipotenciários: o CONDE DE VAN DER STRATEN-PONTHOZ e o BARÃO LAMBERMONT. O primeiro, era um antigo diplomata, muito correcto e muito homem de bem. Tinha-se por verdadeiro representante da Bélgica e disso fazia ostentação. Ao falar na sessão de 18 de Dezembro de 1884 e a propósito da restrição das bebidas alcoólicas para certas populações muçulmanas do NIGER, ele, que tinha estado na América em contacto com populações índias e lhes tinha apreciado os estragos produzidos pelo álcool, teve oportunidade de proferir um discurso patético e humanitário, sem tocar nos interesses da Associação (37).


O barão Lambermont, muito ao contrario, era mais representante do rei dos belgas do que da Bélgica, e foi a BERLIM para acautelar os interesses da Associação Internacional, sem, contudo, os defender abertamente. «(…) Inteligente, ilustrado, prático de negócios, trabalhador sobretudo, (…), de 66 a 67 anos, (…), pequenito, já um pouco engelhado, com uns olhos espertos, debaixo de uma correcta e elegante cabeleira, o barão era um homem muito polido, muito afável, tinha uma conversa animada, e até às vezes ligeiramente picante. Porém, era mais um distinto burocrata do que um grande diplomata» (38).


Secretário-geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Bruxelas, em que ele era tudo, redigia com precisão e elegância notas e tratados.

 

Por delegados, teve a Bélgica BANNING, diretor-geral do mesmo ministério. «Inteligente, instruído, pouco simpático, baixo, meio cambado e coxo, ele era a alma danada do barão Lambermont, e tomou, segundo parece, uma grande parte nos trabalhos deste. Quando o barão falava, na comissão, o seu delegado zumbia-lhe ao ouvido, e uma ou outra vez na fisionomia do plenipotenciário se desenhou um certo ar de impaciência» (39).

 

Deste modo, a Associação Internacional estava bem presente na conferência de BERLIM 1884-1885.

 

6.3.- A DELEGAÇÃO DE PORTUGAL



A delegação de Portugal era constituída pelo Marques de Penafiel, ministro português em Berlim, por António Serpa Pimentel, par do reino e antigo ministro, e por Luciano Cordeiro, secretario perpetuo da Sociedade de Geografia de Lisboa, Carlos Roma du Bocage, adido militar em Berlim, e os condes de Penafiel e S. Mamede, adidos também portugueses na capital germânica, prestaram a delegação de seu país notável ajuda.

 

Abandonado pela Inglaterra, que lhe recusara a ratificação do TRATADO DO CONGO (Zaire), abeirado da França, que tinha, como ele, interesses a defender no Médio e Baixo Congo, Portugal enviava a Berlim os seus representantes portadores de inauferíveis direitos – como lhe chamava Sá da Bandeira -, mas olhados pela Alemanha e pelos agentes da Associação Internacional com compreensível desconfiança.

 


«NOTA IMPORTANTE, em nenhum momento, PORTUGAL ou a BÉLGICA foram para esta conferência, para tratar da questão da LUNDA ou dos territórios sob domínio do imperador Muatiânvua, nem mesmo as outras potências presentes, as convenções celebradas a margem do evento, atestam isto mesmo. Se nós estamos a mentir, que Portugal proteste, Bélgica faça o mesmo, que a França, Alemanha, a Inglaterra e os ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA país que esteve presente nos trabalhos da conferência proteste. Se o texto que temos estado a produzir é falso, que Portugal, Angola, Bélgica, França, Alemanha, Inglaterra protestem».



6.4.- O ACTO GERAL DA CONFERÊNCIA DE BERLIM


A primeira questão discutida e resolvida na conferência foi a definição e a aplicação do princípio de liberdade de comércio. Na definição do princípio, questão de doutrina que era, varias foram as fórmulas esboçadas ou previstas. Mas quaisquer que fossem a compreensão e a extensão deste conceito, o primeiro aspecto a tratar era naturalmente a zona de aplicação do regime não só para servir, ainda que indirectamente, à sua definição, mas também para levar ao assentimento e respeito das potências territoriais que porventura aí exercessem as suas soberanias.

 

Foi então que se definiu, embora muito imprecisamente e com alguma oposição da delegação portuguesa, a chamada Bacia Convencional do Congo (Zaire):

1.      A norte, a linha divisória entre a bacia do rio Zaire e as bacias do Niári,

2.      Ogoué, Chári e Nilo;

3.      A leste, o lago Tanganica e seus afluentes orientais;

4.      A sul, as cristas das bacias do Zambeze (Liambegi tchokwe) e do Loge;

5.    A ocidente, o oceano desde o paralelo de 2º30’ de latitude sul até à embocadura do Loge.


Serpa Pimentel, servindo-se da dificuldade que ao tempo havia de definir com rigor a bacia do Congo, chegou a propor a liberdade de comércio para a bacia deste rio compreendida entre o mar e STANLEY-POOL apenas. Mas «depois aceitou igualmente a definição atrás indicada da bacia geográfica» … (40). Convencionou-se nas seguintes bases gerais:



«I.- O livre acesso de todas as bandeiras (Europeias, menos as africanas, não as existia, claro), sem distinção de nacionalidade, incluindo o exercício de cabotagem e da batelagem marítima e fluvial, em igualdade de condições com a bandeira nacional respectivas;

II.-  A taxação igual, e restritiva à justa compensação das despesas úteis ao comércio, das mercadorias importadas de qualquer procedência ou sob qualquer bandeira, com interdição absoluta de tratamento diferencial;

III.-  A isenção de direitos de entrada e de transito, por um período de vinte anos, pelo menos;

 IV.-  A interdição de qualquer monopólio ou privilégio em matéria de comércio;

V.-  A igualdade de tratamento para os nacionais e estrangeiros no que importa a propriedade das pessoas e bens, à aquisição e transmissão de propriedade e ao exercício das respectivas profissões» (41).

Embora na redacção destas matérias, que constituíram a primeira parte do Acto Geral da Conferência, a Comissão não contasse abertamente com a Associação Internacional, era a ela que, neste particular, fazia os seus mais confiantes apelos. No consenso táctico das potências participantes na conferência, a Associação estava bem nos seus pensamentos. Diz Banning que o barão de COURCEL lhe chamava «LA DAME DE NOS PENSÉES» (42).

 

Do acto geral constava também, além da «Déclaration relative à la liberte du commerce dans le bassin du Congo, ses embouchures et pays circonvoisins (…)»:

 

«2.º - Une Déclaration concernant la traite des esclaves et les opérations qui sur terre ou sur mer fournissent des esclaves à la traite;

3.º - Une Déclaration relative à la neutralité des territoires compris dans le bassin conventionnel du Congo;

4.º -  Une Acte de navigation du Congo, qui, en tenant compte des circonstances locales, étend à ce fleuve, à ses affluents et aux eaux qui leur ont assimilées, les príncipes généraux énoncés dans les articles 108 à 116 de l’Acte final du Conggrés de Vienne et destinée à régler, entre les Puissances signataires de cet Act, la libre navigation des cours d’eau navigables qui séparent ou traversent plusieurs États, príncipes conventionnellement appliqués depuis à des fleuves de l’Europe et de l’Amérique, et notamment ao Danube, avec les modifications, prévues para les traités de Paris de 1856, de Berlim de 1878, et de Londres de 1871 et de 1883;

5.º -  Un Acte de navigation du Niger, qui, en tenant également compte des circonstances locales, étend à ce fleuve et à ses affluents les mêmes príncipes inscrits dans les articles 108 à 116 de l’Acte final du Congrés de Vienne;

6.º -  Une Déclaration introduisant dans les rapports internationaux des régles uniformes relatives aux occupations qui pourront avoir lieu à l’avenir sur les côtes du Continent Africain» (44).



Embora seja verdade que foram várias as Potencias Europeias a ser ouvidas em Berlim, o certo é também que o conteúdo da Conferência e as suas conclusões tinham saído perfeitamente definidas dos diálogos de Varzim.

 

Os plenipotenciários tiveram apenas ocasião para arrumar questões de pormenor, sem fugirem aos traços que o discurso inaugural de BISMARK delineou.

 

Havia apenas que angariar o apoio público e solene do concerto europeu para a obra que a Associação Internacional estava prometendo. Por isso se compreende que, não estando esta oficialmente ali representada, o rol maior dos problemas se tivesse tratado e debatido nos bastidores.


CONTINUAÇÃO...


6.5.- E a penetração Europeia para a Lunda entre 1846 – 1891  ficou esquecida? ABSOLUTAMENTE NÃO FOI ESQUECIDA. SIGA A CRONOLOGIA DOS ACONTECIMENTOS NA LUNDA ATÉ 1891.

 

Entre 1840 a 1884, não há nenhuma presença oficial de qualquer país estrangeiro na Lunda ou de ocupação, seja ela militar ou de outro género, excepto de aventureiros e forasteiros Europeus e Árabes em busca de comércio e negócios. Estes aventureiros e forasteiros estão no interior da Lunda por conta própria, não são representantes de nenhum estado e não tem contactos com os chefes tribais e de estados indígenas da Lunda, acompanhe a cronologia dos acontecimentos neste período a seguir:

 

1840 - 1841- Formalização das relações entre tulunda e tucokwe – envio de caçadores tucokwe anteriormente solicitados por enviados (embaixadores) tulunda.

1846 - 1848 - Viagem de Rodrigues Graça à Mussumba (Musumb) nos tempos do Mwant Yav Nawej a Ditend ou Noéji.

1849- Viagem para a Musumb (Mussumba) de Lourenço Bezerra, que mais tarde, isto é, entre 1885 – 1887, participa junto com Henrique de Carvalho na Celebração de Tratados de Protectorado entre a Lunda e Portugal como veremos mais adiante.

1850 - Crescimento e expansão das instituições Lunda. - Expedição a Kasanje (militares portugueses) 1851 (16 de Agosto) criado o distrito de Tala Mugongo, composto de quatro divisões, com um regimento que substituía o anteriormente dado à feira de Kasanje em Outubro de 1790. Criada e regulamentada a guarnição do Presídio de Pungo Andongo e do Presídio de Duque de Bragança. Criação de um corpo de Guerra Preta de que era capitão o Jaga de Kasanje.

1852- Expedição contra o Jaga Bumba.

1853 – Livingstone atravessa o Kwango até Luanda.

1855 - Livingstone em território Lunda Cokwe. Foi neste período que Livingstone teve a sorte de encontra o REI NDUMBA WA TEMBO no LUBUCO.

1857 - Criação do Conselho de Malanje (criação administrativa e fixação do espaço).

 1860 -1875 - Os Tucokwe seguiram a margem esquerda do Kasai até à foz do Luao.

1862 - Construção da Fortaleza de Malanje segundo determinada traça, por se considerar centro e ponto de apoio de todas as operações militares para o interior.

1863 - Operações no Songo 1868- Livingstone em terras do Muata Kazembe. Na região da Rodesia actual Zambia.

1869 - Enviados do Mwant Yav Muteba (um sobrinho) com uma grande caravana a Luanda. Parada junto ao Kasai. Esta viagem tinha como objectivo negociar com Portugal as questões de venda de escravos da Lunda para Metropole.

1870 - Autoridades coloniais prestam atenção à doença do sono. O primeiro relatório é elaborado em Malanje.

1872 - Verney Lovett Cameron chega ao Lualaba. Faz incursões no interior da Lunda.

1874 – 1875 - Expedição alemã à costa do Luango. Tudo isto acontece no interior da Lunda, objectivo Comercio, aqui não se tratava de colonização.

1874-1876 - Viagem de Paul Pogge à Mussumba (Musumb). Mussumba como era a capital do império com certeza, todas as viagens de estrangeiros, depois das incursões no interior da Lunda finalmente acabava na capital a Mussumba.

1876 - Henry Morton Stanley chega a terras de Mwene Puto Kassongo e ao Lualaba.

1877-1880 - Expedição de H.[ermenegildo] Capelo e R [oberto] Ivens De Benguela às Terras de Iaca. Elaboram uma lista dos sucessivos Mwant Yav (cinco).

1880 - Expedição alemã de Alexander von Mechow (em terras de Mwene Puto Kasongo).

1880-1881 - Expedição de Max Buchner (explorador alemão) ao “Reino do Muatianvo e seus territórios vizinhos”.

1881- Tentativas por parte dos comerciantes Machado para chegar ao Lubuco, através da Jinga contornando Kasanje e evitando confrontos com os tucokwe.

1882- Criação do Conselho de Tala Mugongo (Bondos, Songo Grande, Songo Pequeno e Kasanje.

1883- Os irmãos Machado no Lubuco. Percorrem o interior da Lunda em busca de comercio e de iguarias

1884- Morte do Mwant yav Muriba em luta contra os tucokwe

1884 - Os tucokwe cortaram ao meio a parte ocidental do Império Lunda, isolando o Kwango do Kasai, impedindo as comunicações e afastando os efectivos lunda daquelas regiões.

1884 - Caminho de Ferro de Ambaca.

1884 - Hermann von Wissemann, ao serviço do Rei Leopoldo da Bélgica efectua uma viagem de Malanje a terras do Mwant Yav.

- Henrique de Carvalho em Malanje. Início da Expedição à Mussumba (Musumb) do Mwant Yav. O projecto das “estações civilizadoras” e da Assinatura de tratados com os chefes africanos como forma de “ocupação”.

1885 - Conferência de Berlim – Fortes abalos sísmicos em toda a região do antigo Império Lunda. Nunca mais em 135 aos se ouviu falar de abalos sísmicos em toda a Lunda dos nossos dias.

 1886 - Viagem de Richard Büttner de “S. Salvador ao Quango e a Stanley Pool”.

18871888 - Regresso a Malanje de Henrique de Carvalho, regresso que o leva até Lisboa para explicar ao Rei sobre o trabalho e a celebração dos Tratados de Protectorado assinados com chefes nativos Lundas, para permitir livremente o exercício do comercio naquelas terras.

1890 - A construção do Caminho-de-ferro de Luanda – Malanje e a consequente concentração de pessoas responsável pela intensidade da doença do sono nas regiões do centro e leste de Angola.

- Conferência de Bruxelas.

- Expedição do Tenente Dhanis d’Anvers (ao serviço de Leopoldo dos Belgas) a terras de Mwene Puto Kasongo.

- Missão Cândido Sarmento de Malanje a terras do Mwant Yav.

- Acordo entre os Governos de Portugal e do Estado Independente do Congo sobre a questão da Lunda.

1891 - Expedição à Lunda comandada por Trigo Teixeira.

- 2ª Expedição Dhanis

1892 - George Grenfell visita Mwene Puto Kasongo (Kiamvo).

 

Continuação na próxima edição...

A ORIGEM DA CHAMADA «QUESTÃO DA LUNDA 1885 – 1894»

  

A ORIGEM DA CHAMADA «QUESTÃO DA LUNDA 1885 – 1894»

 

1.- A EXPEDIÇÃO CIENTIFICA PORTUGUESA A MUSSUMBA 1884 - 1888

1.1.2.- ANTECEDENTES HISTÓRICOS


Em 1877, o magnata Rei da Bélgica, Leopoldo II, funda o Estado Livre do Congo, mas antes desta data, em 1843 o comerciante Português Joaquim da Graça que fazia negócios no Congo, é levado no Catanga pelos Belgas e conhece a Mussumba do Muata Yava, a 1.ª capital do Império Lunda em fragmentação, e denota-se com uma organização política administrativa e militar da corte do Muata Yava igual, a das dinastias Europeias do mesmo século e fica estupefacto.

 

Como, apenas sabia a via marítima, para chegar até Leopold-Vill via rio Zaire, o seu regresso para a província de Angola, da Mussumba é feita, atravessando os rios Cassai, Luembe, Luatchimo, Luana, Tchihúmbwé, Kuango até Kassanje, fronteira natural do Reino do Ndongo com os domínios do Muata Yava e, meteu um marco no Kazabi, com o seu nome e ano, assim atingiu Luanda.

 

Posto em Luanda Joaquim da Graça, informa ao Governador-geral da Província de Angola, sobre as terras da Lunda, para além do Reino do Ndongo em Malanje e, dos benefícios de comércio com os potentados sob domínio do Muata Yava, o que comoveu o governador que, em nome do seu Rei, reuniu todos os comerciantes do sertão de Luanda e, como na altura a Dona Ana Joaquina Silva era a mais rica, fora incumbida a missão de financiar e abastecer o Sr Joaquim da Graça, de panos, fazendas e outros produtos e, formou-se uma comitiva de contratados que regressou a Mussumba do Muata Yava.

 

É assim que, desde 1843 até 1883, varias comitivas de Portugueses e de outros Europeus e Africanos da província de Angola, isto é, 40 anos mais tarde, fizeram-se as Lundas para o mero Comércio e, como os Belgas queriam expandir a sua influência para outras latitudes, não queriam mais ver outras potências na região, sobretudo os Portugueses, brotou o conflito, conhecido por “CRISE DO CONGO, JÁ ANÁLISADA NO TEXTO ANTERIOR”, para que os Belgas, Ingleses, Franceses, Portugueses e Alemães, estabelecessem as fronteiras de suas influências públicas, assim nasceu a “QUESTÃO DO ZAIRE” que deu origem a Conferência de Berlim 1884 – 1885, tal como foi retratada no texto “A EVOLUÇÃO DE AFRICA E A LUNDA ENTRE 1884-1891”.

 

Como Portugal, era o único país fraco e, para que tivesse razão fundada no direito, o governador-geral da província de Angola, comunica ao seu Rei e, este em 24 de Março de 1884, nomea oficialmente o Major de Infantaria Henrique Augusto Dias de Carvalho, como Chefe da Expedição Cientifica Portuguesa a Mussumba do Muatiânvua, missão financiada pela Sociedade de Geografia de Lisboa, que tinha entre outras orientações, a celebração de tratados de PROTECTORADOS com potentados e Estados Indígenas sob domínio do Muatiânvua, para a garantia do comércio nestes Estados, depois de terem passado 402 anos da presença de Portugal na sua Província ultramarina de Angola 1482 – 1884.

 

A Comitiva de Henrique Augusto Dias de Carvalho, era integrada por contratados de Luanda e de Malange, para além do Major Farmacêutico – Agostinho Sizenando Marques, subchefe da expedição, Capitão João Baptista Osório de Castro, oficial as ordens, Tenente Manuel Sertório de Almeida Aguiar, Ajudante, e o missionário Padre António Nunes Castanheira, com domínios de geografia, cartografia, etnografia e línguas.

 

Em 10 de Outubro de 1884, a comitiva da Expedição Portuguesa a Mussumba, partia de Malanje para a Mussumba nas terras da Lunda, na altura o Povo Kimbundu ou região de Luanda a Malanje, era representada pelo Soba Grande chamado “AMBANGO”, este deu ao representante do Rei de Portugal, o seu irmão Augusto Jayme, para que, subscrevesse aos tratados que, em Kimbundu se chama por KIVAJANA, com o fim de testemunhar a pertença da Lunda aos Portugueses e, é assim que, começou a famosa expedição de 1884-1888 ().

 

Entre Agosto de 1882 á Janeiro de 1886, Angola estava conduzida por um Conselho de Governo. E entre Janeiro de 1886 á Abril de 1895 Angola teve os seguintes Governadores-gerais: Francisco Joaquim Ferreira do Amaral, Guilherme Augusto de Brito Capelo, Jaime Lobo de Brito Godins, ele fez parte do grupo técnico sobre a delimitação das fronteiras na Lunda em 1893 e assinou a Acta de limites, Álvaro António da Costa Ferreira e finalmente em 1895 Francisco Eugénio Pereira de Miranda.

 

Em 1895 foi o ano da criação do Distrito militar da LUNDA ou seja o reconhecimento do Estado da Lunda Independente ( ).


1.1.3.- A CARTA CONSTITUICIONAL DE 1826, ARTIGOS 2.º E 3.º 


«ARTIGO 2.º  – O seu território forma o Reino de Portugal e dos Algarves e compreende:

§ 1.º - Na Europa, o Reino de Portugal, que se compõe das Províncias do Minho, Trás-os-Montes, Beira, Estremadura, Alentejo e Reino do Algarve e das Ilhas Adjacentes, Madeira, Porto Santo e Açores.

§ 2.º - Na África Ocidental, Bissau e Cacheu; na Costa da Mina, o Forte de S.João Baptista de Ajudá, Angola, Benguela e suas dependências, Cabinda e Molembo, as Ilhas de Cabo Verde e as de S. Tome e Príncipe e suas dependências; na Costa Oriental, Moçambique, Rio Sena, Sofala, Inhambane, Quelimane e as Ilhas de Cabo Delegado.

§ 3.º - Na Ásia, Salsete, Berdez, Goa, Damão e os estabelecimentos de Macau e das Ilhas de Solar e Timor.

ARTIGO 3.º  – A Nação não renuncia o direito, que tenha a qualquer porção de território nestas três partes do mundo, compreendida no antecedente artigo.»

Fonte: – Livro Branco sobre a Questão do Zaire (II), doc, n.º 83, p.107. Aqui não é mencionada A LUNDA TCHOKWE


1.1.4.- A CONVENÇÃO DE 14 DE FEVEREIRO DE 1885

1.1.5.- A PROPOSTA DE ACORDO DO BARÃO DE COURCEL DE 7 DE FEVEREIRO


Portugal não podia fazer valer os seus direitos pela força, porque não há possuía para enfrentar outras potências Europeias. Teria de se sujeitar as exigências da França, Alemanha, Bélgica concorrentes imediatos em questões de Africa. Portugal procurou conservar Banana e Boma. Contudo, a atitude da França, da Inglaterra e Alemanha de que o reconhecimento dos direitos de Portugal dependia da aceitação dos limites propostos, quais eram toda a margem sul do Zaire até ao ponto em que viesse a ser fixada a fronteira da Associação e, na margem direita, a posse de Cabinda e Molembo, obrigou Portugal a ceder.

 

A pressão das Potências Europeias em Berlim era tal que o marquês de Penafiel, no dia 6 de Fevereiro, telegrafava para Lisboa a dizer que era «chegado o momento decisivo»

(1).- AMNE – Caixa «conferência de Berlim», telegrama de 6 de Fevereiro de 1885 do Marques de Penafiel para o ministro e secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros.


No dia 7 de Fevereiro, o barão de Courcel apresentava a última delimitação proposta pela Associação Internacional:

«Le Tchiloango jusqu’a Metimbé; la droite qui joint Mitimbé à Tchimbuanda; la droite qui joint Cabo-Lomba à l’embouchure de la rivière qui se jette dans l’océan au sud de Kabinda. – Sur la rive gauche, le Congo depuis l’embouchure jusqu’au Uango-Uango remontant cette revière jusqu’au parallèle de Noki, puis a parallèle jusq’au Kuango.»



E no dia 14 de Fevereiro de 1885 era firmado em Berlim entre os Plenipotenciários do rei de Portugal, do presidente da Republica Francesa, como potência mediadora, e o rei Leopoldo II, como fundador da Associação Internacional do Congo, uma convenção, segundo a qual se fixava e reconheciam as fronteiras comuns a esta última e a província ultramarina Angola Portuguesa, e se concertavam as suas relações futuras.

 

1.1.5.- O ARTIGO 3.º DA CONVENÇÃO DE 1885 EM BERLIM

O limite entre Leopoldo II e Portugal fixou-os o artigo 3.º da convenção de 14 de Fevereiro de 1885 em Berlim:

Artigo III

«Sua Magestade El-Rei de Portugal e dos Algarves e a Associação Internacional do Congo adoptam para fronteiras entre as suas possessões respectivas na Africa occidental a saber:

 

Ao norte do Zaire (Congo), a recta que une a embocadura do rio que se lança no oceano Atlântico, ao sul da bahia de Cabinda, junto de Ponta Vermelha, a Cabo Lombo; o parallelo d’este ultimo ponto prolongado até à sua intersecção com o meridiano da confluência do Cula-Calla com o Luculla; o meridiano assim determinado até ao seu encontro com o rio Luculla, o curso do Luculla até à sua confluência com o Chiloango (Loango-Luce).

 

O curso do rio Zaire (Congo), desde a sua foz até á confluência do pequeno rio Uango-Uango; o meridiano que passa pela foz do pequeno rio Uango-Uango entre a feitoria hollandeza e a feitoria portugueza, de modo que deixe esta ultima em território portuguez, até ao encontro d’este meridiano com o parallelo de Noqui; o parallelo de Noqui até á sua intersecção com o rio Cuango (Kuango); a partir d’este ponto na direcção do sul o curso do Cuango (Kuango) (3)Fonte: Livro Branco sobre a Questão da Lunda, doc, n.º 1, p.6.

 

Foram estes dois últimos parágrafos que deram origem à depois chamada “QUESTÃO DA LUNDA”. Pela interpretação posteriormente dada pelo estado independente do Congo, a fronteira de Angola fixava-se no Cuango; Portugal veio a defender, quando o problema se levantou, que ela ia para além deste rio, que os tratados de Protectorado celebrados com potentados Lundas que assim o confirmava; e a linha de demarcação não tocava o curso inteiro do Cuango, mas somente até ao 6º de latitude sul.

 

1.1.6 - AS QUESTÕES DO CONGO E DA LUNDA

Da Convenção de 14 de Fevereiro de 1885 surgiu não só a “QUESTÃO DO CONGO”, outra questão do Congo. No Congo, começou propriamente com o incidente de Ponta Vermelha, por causa da sua ocupação militar por parte do Estado Independente no penúltimo mês do ano de 1889. Portugal protestou por considerar a Ponta Vermelha território português.

 

VAN EETVELDE, administrador-geral dos Negócios Estrangeiros do Estado Independente do Congo, acordou em voltar ao STATUS QUO ante, até que comissários dos dois Governos, nos termos da Convenção de 1885, definissem sobre o terreno a fronteira comum, como Portugal propusera (4).- Fonte: Libro Branco sobre Limites do Congo, docs, n.º 1, 2, 3 e 4, pp.5-6.

 

VAN EETVELDE pretendia que, não existindo a projectada comissão internacional do Congo, os dois Governos acordassem acerca da maneira de substituir a sua eventual intervenção, antes de empreenderem o traçado da fronteira no terreno  (5).- Fonte: Libro Branco sobre Limites do Congo, doc, 4, pp.6-7.  

 

O Governo Português aceitou o alvitre e, por seu lado, nomeou para o desempenho dessa comissão o capitão-tenente EDUARDO JOÃO DA COSTA OLIVEIRA e, como delegado técnico, AUGUSTO CÉSAR DE MOURA CABRAL (6).-Fonte: Livro Branco sobre Limites do Congo, doc, nº 5, p.7. Moura Cabral foi exonerado por portaria de 4 de Março de 1890 e nomeado para o substituir o 2.º tenente João do Canto e Castro Silva Antunes.

 

O Estado Independente do Congo nomeou para seu delegado DESTRAINS, secretário-geral do Governo de Boma e o capitão JUNGERS (7) Ibidem. Deviam todos encontrar-se em CABINDA, e partiam com instruções e poderes de apenas marcarem sobre o terreno os limites fixados pela Convenção de 1885, colocando sempre que possível, marcos nesses pontos, e, quando não fosse prático determinar uma linha perfeitamente distinguível, determinar então as coordenadas das povoações e pontos notáveis da dita linha.

 

Por sugestão do Estado Independente do Congo, assentou-se em que no dia 7 de Fevereiro de 1890 (8), ambos os Governos iriam «fazer junto do Conselho Federal da Confederação Suíça as necessárias instancias para, dada a hipótese de surgirem entre os comissários de limite dúvidas ou discordância de opinião, ser aquele conselho o juiz arbitral que, para o caso sujeito, (substituísse) no artigo 4.º da convenção de 14 de Fevereiro de 1885 a comissão internacional do Congo, que não chegou a estabelecer-se» (9). O Conselho Federal Suíço aceitou o convite (10).

(8).- A Principio fixada para 1 do mesmo mês, foi transferida para o dia 7 por acordo escrito, realizado em Lisboa entre Agostinho de Ornelas e de Grelle.  (9).- Livro Branco sobre os limites do Congo, docs n.º 8, 9, e 10, p. 11-12. (10).- Ibidem, doc, n.º 11, p. 13


Continuação...

ANTECEDENTES DE 24 DE MARÇO DE 1894

 

ANTECEDENTES DE 24 DE MARÇO DE 1894



EVOLUÇÃO POLÍTICA DE AFRICA E A LUNDA TCHOKWE 1884 – 1891

1.- O Estado Independente do Congo
1.1.- A Conferência Geográfica de 1876 e a Associação Internacional Africana


A partir de 1875 a LUNDA começou a despertar as ambições e a curiosidade das potências Europeias, interessada na exploração do interior de África, Portugal, Alemanha, Bélgica e outros, assistiu-se a uma inesperada «corrida para África», a procura de ocupações de vastas terras para facilitar o comércio, justificado com a pretensão de civilizar os indígenas do continente negro.


A Leopoldo II da Bélgica estava reservado o papel de primeira plana na mobilização das inteligências e dos capitais para o continente negro. Enfadava-se ele com os papéis passivos a que o trono da Bélgica o sujeitara: ser rei constitucional e ser neutral. Sentia, por isso, ânsia de sair dessa apatia.


Profundamente impressionado com as narrativas das explorações feitas no continente Africano por David Livingstone, Cameron e Stanley, LEOPOLDO reuniu em 12 de Setembro de 1876, no seu palácio em Bruxelas, uma conferência geográfica, a cuja sessão inaugural ele próprio presidiu.


No discurso de abertura, definiu ele os fins humanitários e científicos que urgia levar acabo em toda África, particularmente na região da África Austral e Central.
Este era o único interesse dos Europeus em África?..CLARO QUE NÃO!


No dia 14, dois dias depois, decidia a conferência Geográfica constituir «uma comissão internacional de exploração e de civilização da África central e comissões nacionais que se manteriam em contacto com a comissão, com o fim de centralizar, tanto quanto possível, os esforços feitos pelos nacionais e facilitar, pelo seu concurso, a execução das resoluções da comissão», e entregava ao rei dos Belgas a presidência da Comissão Internacional, que formava um Comité Executivo destinado também a assistir o presidente.


Dele fizeram parte, desde logo, o Sr Quatrefages por parte da França, o Sr Bartle Frere pela Grã-Bretanha e o Sr Nachtigal pela Alemanha. Vários foram os países onde se constituíram Comissões Nacionais. Em PORTUGAL criou-se na Sociedade de Geografia de Lisboa uma comissão presidida pelo Visconde de S. Januário. Contudo, foi o Comité Nacional Belge, criado em 6 de Novembro desse ano, o que se mostrou mais activo. Assim nascia a Associação Internacional Africana com o fim de «ouvrir à la civilisation la seule partie de notre globe où elle n’eût pas encore pénétré», explorando cientificamente a áfrica, estabelecendo vias de comunicação e abolindo a ESCRAVATURA.


Ainda a Associação não tinha assentado definitivamente no seu programa de acção, e já, em 21 de Junho de 1877, a comissão internacional se ocupava da escolha de uma bandeira. Acordou-se logo que não podia a obra adoptar pavilhão que pertencesse a algum país ou outra associação. Sugeriu-se, para insígnia, o leão belga, depois a esfinge, como alusão ao enigma da África, mas, finalmente, aceitou-se o fundo azul com uma estrela de ouro.


1.2.- O «Comité d’Etudes du Haut-Congo»


"Como compreender a questão da LUNDA se não voltarmos as origens das intenções Europeias em África, e, agora, as ambições do colonialismo africano, justificados com a nova era do desenvolvimento e saque sistemático das riquezas, a expropriação das terras, as violações, torturas bem como a nova fórmula da escravatura em pleno século XXI". Nesta mesma reunião decidiu a comissão internacional organizar uma série de expedições tendentes a penetrar no coração do continente por Zanzibar e pelo Congo. O Comité Nacional Belge tomou a seu cargo a fundação de posto no baixo Congo.


De regresso à Europa da sua viagem através da África equatorial, encontrava Henry Staley, em 1878, dois delegados do rei dos Belgas em Marselha com a proposta de ele entrar ao Serviço da Associação Internacional. Henry Stanley, que tinha em mente criar uma grande sociedade anónima de exploração na bacia do Congo, não quis dizer a sua última palavra sem primeiro sondar a opinião pública da Inglaterra e despediu os delegados de Leopoldo II com evasivas.


Mas nem na Inglaterra, nem na América, nem na França, conseguiu congregar as vontades e os capitais para a sua empresa. Voltou-se então, e agora decididamente, para a Bélgica. É entusiasticamente recebido em Bruxelas. Em contacto directo com o rei dos Belgas, ouviu dele o pedido para voltar a África, completar a exploração do Congo com fins «CIENTÍFICOS, FILANTRÓPICOS E COMERCIAIS» e fazer alianças com os chefes indígenas. Destas diligências e intenções surgiu em 25 de Novembro de 1878, sob a presidência de STRAUCH (era também secretário da associação internacional africana), com o capital de um milhão de francos, o Comité d’Études du Haut-Congo, modesto título que encobria a verdadeira identidade do que em 1882 se chamou a Associação Internacional do Congo.


Para Henry Stanley, era seu intento declarado cooperar com a Associação Internacional Africana na obra de civilização e exploração da África.


Logo em 23 de Janeiro de 1879, no maior segredo, deixava Henry Stanley a Europa à cabeça de nova expedição. No dia 10 de Maio estava ele em Zanzibar e aqui anunciou que em breve iria dar início à sua exploração. Tal declaração tinha por fim apenas insinuar as boas intenções de colaborar com a Associação Internacional. Mas em 24 de Julho deste mesmo ano chegava à Serra Leoa, sob o nome de SWINBORNE, para recrutar pessoal. É tomado ali por mais um traficante de escravos e obrigado então a revelar a sua identidade. No dia 14 de Agosto, tocava a embocadura do ZAIRE, onde já o esperava uma flotilha mandada pelo Comité d’Études, e, uma semana depois, o ilustre explorador subia o rio.


Por sugestão de Henry Stanley, o rei Leopoldo decidira tomar por bases Banana e Boma, em vez de Bagamoio e Zanzibar. O Comité d’Études depressa deixou transpirar o fim comercial e politico por que se constituíra, em oposição ao fim científico e filantrópico da associação internacional africana.


Sob a bandeira simpática desta, começou ele por estudar a ligação marginal do curso superior do rio Zaire com o seu estuário marítimo, que tinham entre si a separá-lo 83 quilómetros de cataratas. Para isso e para assegurar uma comunicação contínua às explorações a que ia procedendo, foi semeando ao longo do Congo postos ou estações. Dado que não era apenas o Comité d’Études a pretender atrair para si os comércios sertanejos, atentas também as dificuldades de simples drenagem marginal dos produtos, e devido, sobretudo, aos interesses alheios que se estavam empenhando ao mesmo tempo nos tratos do zaire, Leopoldo II lançou-se abertamente na aquisição de pretensos direitos soberanos sobre os territórios e seus chefes indígenas, e no desejo de alcançar a zona marítima do rio.


Em cinco anos foram celebrados mais de quinhentos (500) Tratados com os chefes indígenas, foram estabelecidas quarenta (40) estações e cinco navios a vapor navegavam no Congo. Estava terminada, pois, a missão ostensiva do Comité d’Études. Era agora a vez de a Associação Internacional do Congo entrar em cena. A Associação Internacional Africana não pôde receber dos comités nacionais o auxílio que esperava. Não conseguiram estes interessar a opinião pública dos seus países e tiveram de colocar-se aos poucos sob patrocínio dos respectivos Governos. Deste modo começou a desenhar-se uma cisão táctica entre si e o Comité internacional. O certo é que só o rei dos Belgas se achava inteiramente empenhado na existência da Associação. Por isso, teve ele de garantir-lhe um milhão de francos anuais. Até 1882,a Associação Internacional Africana, que perdera o caracter de geral, que era a sua essência, não se reunira uma só vez. Neste ano, porém, na sua primeira reunião, fundiu o Comité d’Études du Haut-Congo com a Associação Internacional do Congo.


1.3.- O Estado Independente do Congo


A penetração que a Associação Internacional do Congo estava realizando em Africa suscitava dois problemas: um, relativo à aquisição de territórios segundo o direito Internacional da época; outro, concernente à cessão feita pelos chefes indígenas. Tratando-se de territórios frequentemente habitados por povos, não podia proceder-se a uma ocupação pura e simples. Era necessário que a tomada de posse se fizesse com expresso consentimento da AUTORIDADE NATIVA, consentimento esse que devia ser dado sem pressões, com inteira liberdade, consciência e segundo os usos do país. Henry Stanley e seus agentes tivessem concluído tantas convenções com os chefes Tribais ou com simples Régulos ou sobas menores.


Quando Morgan, em 26 de Março de 1884, apresentou ao Senado dos Estados Unidos de América (EUA), um relatório sobre a questão das relações que deviam estabelecer-se entre a República e os «os habitantes da bacia do Congo em África», foram feitas consultas a TRAVERS TWISS e a ÉGIDE ARNTZ sobre se tais cessões investiriam a Associação Internacional do Congo na soberania de Estado. A resposta de ambos foi afirmativa. Já treze dias antes, FRELINGHUYSEN, secretário do Departamento de Estado, declarava que nenhum princípio de direito internacional era contrário a que uma associação filantrópica criasse um Estado.



Conferiram à Associação Internacional do Congo pode obter o reconhecimento de outras nações, precisamente porque esta associação prova a sua existência como um governo de direito… Se subsiste alguma dúvida sobre a soberania, ou o território, ou os sujeitos, a interpretação entre as tribos indígenas que concluem tratados com a Associação oferece uma garantia bastante aos outros povos para que reconheçam a Associação como um Governo de facto.


MORGAN, relator do parecer do Comité dos Negócios Estrangeiros do Senado norte-americano, concluía, portanto, pelo reconhecimento da Associação. E, em 22 de Abril de 1884, uma declaração assinada por Frelinghuysen, autorizado pelo presidente e pelo Senado, aprovava «o fim humanitário e generoso da associação internacional do Congo, gerindo os interesses dos Estados Livres estabelecidos (sic) naquela região», e dava ordem aos funcionários dos Estados Unidos, no mar e em terra, de reconhecerem a bandeira da Associação como de um Governo amigo.


Em 23 de Abril deste mesmo ano, a Associação prometia à França o direito de preferência, se, por circunstâncias imprevistas, tivesse de alienar as suas possessões. No dia seguinte o Governo Francês aceitava esse compromisso e obrigava-se, por seu lado, a respeitar as estações e territórios livres da Associação e a não levantar obstáculos ao exercício dos seus direitos. Não parou a Associação de angariar de outras potências o reconhecimento do seu pavilhão como de um Estado amigo. Assim, celebrou convenções com:


· Alemanha no dia 8 de Novembro de 1884
· Grã-Bretanha no dia 16 de Dezembro de 1884
· Itália no dia 19 de Dezembro de 1884
· Áustria-Hungria no dia 24 de Dezembro de 1884
· Países Baixos no dia 27 de Dezembro de 1884
· Espanha no dia 7 de Janeiro de 1885
· França e Rússia no dia 5 de Fevereiro de 1885
· Suécia e Noruega no dia 10 de Fevereiro de 1885
· Portugal no dia 14 de Fevereiro de 1885
· Dinamarca no dia 23 de Fevereiro de 1885.


Em 23 de Fevereiro de 1885 eram trocadas declarações entre o Governo da Bélgica e a Associação. Até este dia todas as potências representadas na Conferência de Berlim, com excepção da TURQUIA, tinham reconhecido a Associação Internacional do Congo (6).

                                                     
Do final da Conferência de Berlim resultara o reconhecimento por todas as Potências participantes de que a Associação formava um Estado soberano e independente, cujo chefe era o rei LEOPOLDO II. Em 1 de Julho de 1885 a fundação era proclamada em BANANA, e, no dia primeiro do mês imediato, isto é, Agosto, o rei dos Belgas, autorizado pelas câmaras, era investido na chefia do novo Estado e declarava-se neutral. Assim surgia a «mais contraditória das criações da história contemporânea» (7), o Estado Livre do Congo, por obra e graça da fantasia diplomática da Conferência de Berlim.


«O Estado Independente do Congo – dizia H.L. Samuel na Câmara dos Comuns em Lisboa em 20 de Maio de 1903 – nasceu do consentimento das grandes potências, e foi atribuído não a um país, mas a uma personalidade, ao rei dos Belgas» (8). O Estado era LEOPOLDO II; as suas receitas eram os milhões desse rei Liberal, que no início, ao menos aparentemente e com gáudio de toda a Europa, mormente das fábricas de Manchester, queria organizar um Estado sem cobrar impostos.


Em 1889 LEOPOLDO II fazia testamento em que legava o Congo à Bélgica; em 20 de Agosto de 1908, não sem muitas e acaloradas discussões, a Câmara votava a sua aceitação, e a anexação fazia-se solenemente. Dir-se-ia que a Bélgica aceitou o Congo com tanta má vontade quanta foi a sua boa vontade de o entregar, passado pouco mais de meio século. «Água o deu, água o levou» - diz um rifão do povo. Assim nasceu o Estado Independente do Congo. Criado para servir em proveito das várias potências EUROPEIAS na grande bacia do Zaire, em breve se foi moldando a servir, quase em exclusivo, os seus próprios interesses.


Fontes:

…(6),(7) e (8) – Mas as fronteiras definitivas do Estado Independente do Congo só foram determinados mais tarde: a sul, de acordo com Portugal, em 1891 no conflito entre a Bélgica sobre a Questão da Lunda 1885-1894; a sudeste, com a Inglaterra, em 1894; a norte, com a França em 1894; a nordeste, com a Inglaterra em 1906; a este, com Alemanha, em 1910.

…() In Jornal do Commercio, n.º 11.223, de 30 de Abril de 1891:« A partilha de África», in nouvelle Revue.

…() In.NYS, Ernest –Ibidem, p. 21 este autor insurgiu-se contra o facto de se pretender (segundo ele) que o Estado independente do Congo é fruto da diplomacia da Conferencia de Berlim, e defendeu que ele é anterior, como Estado, a esta conferencia.

quinta-feira, 21 de março de 2024

DUMBA WATEMBO REI LUNDA TCHOKWE SÉCULO XV OU XVI

 



 

Régulo do Tchiboco, Rei da Lunda Tchokwe entre 1860 – 1880, primo da Rainha Nhakatolo, tio materno do Tchissengue ou Muatchissengue, personalidade aristocratica da corte do Muatiânvua dos mesmos anos.

Muene N’Dumba-Tembo ou Dumba Watembo, é homem elegante, da figura distinta, tipo inteligente, ar nobre e maneira delicada. Trajava um pano de riscado preso á cinta por uma correia, tendo suspensa adiante pequena pele de antilope. Casaco de fazenda escura, coberto de quadradinhos bordados a cassungo completava a sua modesta mas esquesita «toilette».

Uma coroa de latão, como a dos monarcas da Europa, singular cópia de que nunca podemos conhecer a proveniência, cingia-lhe a frente, tendo na parte inferior uma fila bordada a missanga de cores. Pendia-lhe no pescoso exótico colar, onde figurava dois búsios (Cyprea Moneta) e um pequeno chifre de antilope.

Os seus dedos guarnecidos de aneis de latão, terminavam por longas unhas do mesmo metal, dificultando os movimentos, e não lhe permitindo segurar o bordão que muitas vezes lhe caia por terra. Em extremo industrioso, segundo nos afiançaram, anéis, unhas e coroa, tudo era obra sua nos momentos roubados à governação do Estado.


ENCONTRO COM EXPLORADORES EUROPEUS

CAPELO E IVENS, CAMERON E LEVINGSTONE


Assim descreveram os exploradores portugueses Capelo e Ivens a figura de Dumba Watembo, quando no dia 11 de Julho do ano já distante de 1874 ou 1878, entravam em contacto com ele, no CUCHIQUE, sanza-capital dos Tchokwes daquela época (...) a sanza-capital cuchique situava-se um pouco a oeste das nascentes do rio Cuango e do rio Cassai. O rio cuchique, que difere frequentemente de nome, de mapa para mapa, é afluente norte do rio Luando, subafluente do rio Cuanza na região do Bié (...).

Na primeira das páginas citadas dãos-nos os autores um muito curioso retrato do antigo Rei do Tchiboco, instruindo com ele a proposito, as páginas em que o descrevem. É sem dúvida um documento interessante e o único identificado que conhecemos, não apenas do referido Rei nativo dos Tchokwes como dos seus antecessores e sucessores.

Isolados nas extensas e formosas florestas hiemisilva dos seus territórios do TCHIBOCO, país do mel e do embriagante hidromel, os Dumba Watembo, e os seus irrequietos tchokwes, encheram aquelas espessuras duma reputação temerosa que afastou, prudentemente, os viajantes, até porque as suas comitivas indiginas se negavam penetrar naqueles amedrontadores dominios dos «demonios silviculas do Tchiboco», segundo a expressão de CAMERON que se desviou daqueles caminhos na sua travessia Zanzibar-Benguela, em 1875.

Já anteriormente, em 1854, o mesmo fizera LEVINGSTONE. Para mais, tivera ele a má ideia de retribuir um soba Tchokwe daquelas proximidades com um boi vivo ao qual faltava o rabo. Valeu-lhe, e dificilmente, a forte escolta dos seus Makokolos que aliás, o tornaram afoito para entregar boi incompleto, em tão exigentes paragens.

O Tchiboco foi, na verdade, e durante longo tempo, um país ensombrado de florestas e de atemorizantes lendas, e por isso sistemáticamente evitado pelos exploradores europeus, como bem o confirmam as primeiras palavras do Rei Dumba Watembo aos exploradores: «NUNCA POR AQUI SE VÊM OS HOMENS BRANCOS»...

Isto explica a raridade de notícias e de documentos iconograficos dos antigos régulos daquela região ou estado e o interesse histórico da gravura citada.
Não há dúvida nenhuma que Dumba Watembo provinha das estirpes aristocráticas dos Muatiânvuas, criadores e governantes do Império LUNDA, constituido nos finais do Século XV ou XVI, na Katanga Ocidental.

Á margem de dissidentes familiares e politicas, que inimizaram e dividiram LUNDAS e TCHOKWES, os altos chefes Tchokwes eram de etnia Lunda e das familias aparentadas aos Muatiânvuas. O próprio Dumba Watembo, historiando a sua genealogia, descreveu a Capelo e Ivens a existência, na Lunda de além-Cassai ou seja na Mussumba, duma mulher denominada Lukokessa mãe de três chefes Tembos, um deles ele próprio (Dumba).

Podemos esclarecer que a Lukokessa (algumas vezes sob a forma gráfica de Lucoqueça) era um alto dignatário feminino da corte dos LUNDAS.

Dumba era filho da Tembo irmã de Yala ya Muaka ou (Iala Maku deturpação), tia da Lueji, mãe ou avô de Muatiânvua Ianvo que foi o primeiro Muatiânvua eleito.

Provavelmente, a data do colapso e da separação das dinastias com o tabú da Lueji Akonde, fixa-se entre os anos de 1595 – 1650, a contar da presença do Tchinguri Akonde ou Watembo em Loanda.

Trata-se, neste caso, do antepassado de Dumba Watembo que conduziu a invasão dos tchokwes da Mussumba, atráves do rio Luau, e seguidamente ao longo do Kassai superior até a região de LUMA KASSAI, em épocas que fixamos no primeiro quartel do século XV ou XVII, seja uns dois e meio século antes da vista dos exploradores Europeus, ao Dumba Watembo, no Tchiboco.

Se atribuíssemos 20 anos a cada Reinado, o Dumba Watembo em questão seria o 12º ou 13º Rei do Tchiboco.



Dumba significa Leão, Tembo sua mãe, significa que Leão da Tembo. Trata-se de uma hierarquia nobre, apoiada no prestigio de nome ou de familia e um titulo da governação no reino, tal igual o nome do Muatchissengue.

Encontram-se os nomes Tembo junto ao Lucala e a Massangano. Na língua de Matamba, o local onde se guardava os idolos era designado Tembo. Há notícias dum nome Tembo-Ndumba, da mulher do Jaga Zimbo, e na Jinga venerava-se a memória de Tem-Bam-Dumba. Aliás, vários etnógráfos e historiadores têm encontrado correlações entre os Tchokwes e os Jagas.

Desse facto, e das ramificações do nome Tembo em Angola, o próprio Dumba Watembo deu elementos, nas conversas com os exploradores europeus, ao referir como parentes Muzumbo Tembo dos Songos ou Massongos, e Cassange Tembo, que se institui Jaga do Quembo-Songo e Holo.

O Dumba Watembo, da época de Capelo e Ivens, ainda se empenhou no alargamento de dominio, e blasonava do seu poderio, em arengas como esta: - Os meus dominios são tão grandes que estendem daqui a catende para lá do norte; neles só eu mando, amim tudo obedece.

Mantinha, também hábitos de grande corte Africana, com a sua guarda pessoal do comando dum seu sobrinho, « armado até aos dentes», um corpo de tamborileiros e xalofonistas para festas e recepção, e um estado-maior de notáveis de conselho e de guerra.

Esta actividade bélica e praxe da corte, estão de acordo com as ambições dos primeiros Dumba Watembo, que imaginaram a criação no Tchiboco dum Estado poderoso e organizado, nos moldes do estado dos LUNDAS da Katanga (do qual, aliás, foram dessidentes, para se eximirem ao seu poder nascente, aliado ao dos Balubas do II Império, nos finais do século XVI).

Aquela tentativa do Tchiboco, porém, foi uma concepção de classes aristocráticas, a que a massa tchokwe, irrequieta e nómada, de perfeito acordo com a sua ancestralidade de caçadores savánicos, se não prestou.

Á volta dos anos 1857 a 1878 ou 1879 já os tchokwes imigravam através dos Lutchazes, atacavam os povos matabas no nortes da lunda e alcançavam com os seus primeiros bandos os territórios dos Batchilangues, por altura do quinto grau de latitude sul. O estado de Tchiboco entrava em rarefação.

Ao Dumba Watembo da época do Capelo e Ivens, outros se seguiram até a passagem do trono ao Tchissengue ou Muatchissengue, decerto mais decadentes, até que uma terrivel época de fome assolou o Tchiboco, haverá pouco mais de meio século, levando as populações a um êxodo que baixou extraordináriamente os efectivos demográficos do Estado de Tchiboco. Uma epidemia de varíola elevou a alto grau o indice de mortalidade. Esta catástrofe, que ficou conhecido por “Muaka ua kapunga ou Muaka ua Nzala (Época da fome), terá sido a grande responsável pelo desaparecimento do Estado do Tchiboco.

CONFERÊNCIA DE BERLIM 1884 – 1885 E AS INDEPENDENCIAS DE PAÍSES EM AFRICA

    Entre Novembro de 1884 e Fevereiro de 1885 realizou-se em Berlim uma conferência que viria a ficar conhecida como a Conferência de Berli...